Cultura

quarta-feira, 8 de maio de 2013

A mídia e os novos paradigmas degenerativos do Direito Penal garantista



A Europa, de modo geral, é indubitavelmente responsável pelo surgimento das mais alvissareiras teses que há tempos direcionam as pesquisas no mundo jurídico. Poucos países contribuíram tanto neste processo como a Alemanha, um verdadeiro celeiro de destacados nomes.

Com exceção do episódio sombrio desencadeado por Hitler em fevereiro de 1933, quando lançou o decreto que suspendia as garantias da Constituição de Weimar e começava a implantar os ideais nazistas, os alemães sempre foram notáveis na elaboração de teorias sobre o Direito, especialmente o Direito Penal.

Do causalismo de Von Liszt e Beling, passando pelo neokantismo de Mezger, pelo finalismo de Hans Welzel, pelo funcionalismo moderado de Claus Roxin, sem esquecer o radicalismo funcional moderno de Jakobs, é por onde temos transitado desde a metade do século XIX na ciência penal. Todos eles com grande ressonância na Terra Brasilis.

Ao invés do aperfeiçoamento desses avanços, mergulhamos em um processo de degeneração das premissas limitadoras do poder punitivo estatal. Impulsionados pela legião leiga que legitima o populismo penal, alguns juristas brasileiros não se contentam simplesmente em estancar a ampliação de tais limites, mas investem na eliminação destes.

Com o intuito de dar aparente consistência científica aos modelos de diminuição da criminalidade ora aplicados, as teses importadas da Alemanha, especialmente aquela apresentada por Roxin, são deturpadas e “abrasileiradas” em um grau somente comparável aos métodos adotados pela escola de Kiel para legitimar o nazismo. Exagero nosso?! Mas o que dizer diante do massacre das categorias das velhas bases do Direito Penal garantista?

Sob o argumento de que a aplicação da pena e a interpretação possuem o seu viés político, Roxin, na década de 70, foi o responsável pela inserção da política criminal no âmbito do estudo do Direito Penal. A deturpação dessa política envolveu de tal forma o Direito Penal que o tem corroído.

Discursos maniqueístas sustentados em doutrinas da lei e da ordem, da tolerância zero, da inocuização, do emergencialismo, das guerras contra isso ou aquilo, enfim, apresentam-nos um Direito Penal voltado para fins exclusivamente políticos, cuja aprovação social, em detrimento da Constituição, o legitimaria. É o que podemos ver à miúde no "populismo penal midiático" de Luiz Flávio Gomes, publicado pela Saraiva.

Essa aliança, de duas atividades tão importantes e fundamentais (política e Direito Penal), desperta a curiosidade social, que na maioria das vezes é alimentada pela imprensa. Afinal, ambas dão audiência (além de votos), atraindo anunciantes que, portanto, dão lucro!

Tendo o crime como rentável produto, e estando a sociedade acostumada a ver sempre as pessoas da mesma classe (geralmente pobres) sendo alçadas à categoria de criminoso, parte da mídia iniciou com sucesso a construção de novos estereótipos, que mantivessem a curiosidade e a atenção social aos seus veículos, que naturalmente sobrevivem disso. Os holofotes nitidamente mudaram de foco! Quem é o “criminoso” preferencial hoje? Os famosos “colarinhos brancos”.

O paradigma modernamente vigente no Brasil é o de que mostram serviço à sociedade e se transformam em dignos “exemplos”, as autoridades que aparecem em cadeia nacional, de preferência ao vivo, revirando residências em busca de produtos do suposto crime, dando voz de prisão, algemando e fechando a mala do camburão onde acabara de ser depositado o investigado importante e conhecido do grande público, que terá seu rosto estampado nos principais veículos de comunicação como ser da mais digna repulsa social. Sumariamente condenado!

Virão em defesa desses procedimentos os defensores da necessidade de "exemplos", de que a lei deve ser aplicada a todos, e de que ninguém está imune a ela. E disso não discordamos! Mas como construir exemplos rasgando garantias? O que legitima a investigação: a aprovação social ou a Constituição posta? Se optarmos pela aprovação, rasguemos então a Carta Magna para todos os casos.

Em nosso sentir, os excessos nessa movimentação midiática, além de deturpar e corroer as bases garantistas que ainda temos, pelo menos no papel, marginalizaram atividades imprescindíveis em um Estado Democrático de Direito, como é o caso da política.

Além do legislativo e do executivo, mais vulneráveis por dependerem de votos, os efeitos desses novos tempos já impregnaram boa parte do próprio Poder Judiciário, a começar pelo Supremo capitaneando o ativismo judicial, como temos alertado neste espaço. Contudo, nossa esperança é a de que as bases democráticas sejam suficientemente sólidas, resistindo a todas essas maliciosas investidas, e que toda imprensa se conscientize de seu importante papel no fortalecimento de nossa jovem democracia.

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