A Europa, de modo geral, é indubitavelmente responsável
pelo surgimento das mais alvissareiras teses que há tempos direcionam as pesquisas
no mundo jurídico. Poucos países contribuíram tanto neste processo como a
Alemanha, um verdadeiro celeiro de destacados nomes.
Com exceção do episódio sombrio desencadeado por Hitler em
fevereiro de 1933, quando lançou o decreto que suspendia as garantias da
Constituição de Weimar e começava a implantar os ideais nazistas, os alemães
sempre foram notáveis na elaboração de teorias sobre o Direito, especialmente o
Direito Penal.
Do causalismo de Von Liszt e Beling, passando pelo
neokantismo de Mezger, pelo finalismo de Hans Welzel, pelo funcionalismo
moderado de Claus Roxin, sem esquecer o radicalismo funcional moderno de
Jakobs, é por onde temos transitado desde a metade do século XIX na ciência
penal. Todos eles com grande ressonância na Terra Brasilis.
Ao invés do aperfeiçoamento desses avanços, mergulhamos em
um processo de degeneração das premissas limitadoras do poder punitivo estatal.
Impulsionados pela legião leiga que legitima o populismo penal, alguns juristas
brasileiros não se contentam simplesmente em estancar a ampliação de tais
limites, mas investem na eliminação destes.
Com o intuito de dar aparente consistência científica aos
modelos de diminuição da criminalidade ora aplicados, as teses importadas da
Alemanha, especialmente aquela apresentada por Roxin, são deturpadas e
“abrasileiradas” em um grau somente comparável aos métodos adotados pela escola
de Kiel para legitimar o nazismo. Exagero nosso?! Mas o que dizer diante do
massacre das categorias das velhas bases do Direito Penal garantista?
Sob o argumento de que a aplicação da pena e a interpretação
possuem o seu viés político, Roxin, na década de 70, foi o responsável pela inserção
da política criminal no âmbito do estudo do Direito Penal. A deturpação dessa política
envolveu de tal forma o Direito Penal que o tem corroído.
Discursos maniqueístas sustentados em doutrinas da lei e da
ordem, da tolerância zero, da inocuização, do emergencialismo, das guerras
contra isso ou aquilo, enfim, apresentam-nos um Direito Penal voltado para fins
exclusivamente políticos, cuja aprovação social, em detrimento da Constituição,
o legitimaria. É o que podemos ver à miúde no "populismo penal midiático" de Luiz Flávio Gomes, publicado pela Saraiva.
Essa aliança, de duas atividades tão importantes e
fundamentais (política e Direito Penal), desperta a curiosidade social, que na
maioria das vezes é alimentada pela imprensa. Afinal, ambas dão audiência (além de votos), atraindo
anunciantes que, portanto, dão lucro!
Tendo o crime como rentável produto, e estando a sociedade
acostumada a ver sempre as pessoas da mesma classe (geralmente pobres) sendo
alçadas à categoria de criminoso, parte da mídia iniciou com sucesso a
construção de novos estereótipos, que mantivessem a curiosidade e a atenção
social aos seus veículos, que naturalmente sobrevivem disso. Os holofotes nitidamente
mudaram de foco! Quem é o “criminoso” preferencial hoje? Os famosos “colarinhos
brancos”.
O paradigma modernamente vigente no Brasil é o de que mostram
serviço à sociedade e se transformam em dignos “exemplos”, as autoridades que aparecem
em cadeia nacional, de preferência ao vivo, revirando residências em busca de
produtos do suposto crime, dando voz de prisão, algemando e fechando a mala do camburão
onde acabara de ser depositado o investigado importante e conhecido do grande
público, que terá seu rosto estampado nos principais veículos de comunicação
como ser da mais digna repulsa social. Sumariamente condenado!
Virão em defesa desses procedimentos os defensores da
necessidade de "exemplos", de que a lei deve ser aplicada a todos, e de que
ninguém está imune a ela. E disso não discordamos! Mas como construir exemplos
rasgando garantias? O que legitima a investigação: a aprovação social ou a
Constituição posta? Se optarmos pela aprovação, rasguemos então a Carta Magna para todos os casos.
Em nosso sentir, os excessos nessa movimentação midiática, além
de deturpar e corroer as bases garantistas que ainda temos, pelo menos no
papel, marginalizaram atividades imprescindíveis em um Estado Democrático de
Direito, como é o caso da política.
Além do legislativo e do executivo, mais vulneráveis por
dependerem de votos, os efeitos desses novos tempos já impregnaram boa parte do
próprio Poder Judiciário, a começar pelo Supremo capitaneando o ativismo
judicial, como temos alertado neste espaço. Contudo, nossa esperança é a de que as bases
democráticas sejam suficientemente sólidas, resistindo a todas essas maliciosas investidas, e que toda imprensa se conscientize de seu importante papel no fortalecimento de nossa jovem democracia.
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