A natureza humana é ponto bastante discutido ao longo da
história. Filósofos como Maquiavel, Hobbes, Rousseau, entre tantos outros, dedicaram
suas vidas em profundos estudos e obras onde analisaram as características
comportamentais do ser humano.
Tornou-se corrente, especialmente por simplificar as
complexas percepções humanas, a utilização de fórmulas maniqueístas,
classificando o homem, diante de determinadas situações, como bom ou mau.
As consequências dessa valoração de visão dualista variam, dependendo da seara de controle social envolvida. Na religião, por exemplo, ser
mau, pode constituir um pecado. Para nós, por questão de familiaridade, interessam-nos
as consequências penais.
Estabelecido nosso pressuposto, ou seja, uma construção teórica
do ponto de vista do Direito Penal, importante notar a existência de certo senso
comum entre os juristas, de que os direitos fundamentais, pressupostos básicos
de um Estado Democrático de Direito, grosso modo, servem como limites ao
exercício da liberdade geral de todos os entes, públicos ou particulares.
Contudo, é garantido ir, vir, permanecer, pensar, crer, expressar, enfim, desde
que respeitemos a esfera dos direitos alheios.
Nessa esteira, a atuação válida do Direito Penal sobre
alguém só é possível por conta de uma exteriorização desmedida dessa liberdade,
em quaisquer das suas mais variadas facetas. O ideal de um ser humano livre e
responsável no exercício dessa liberdade, imbuído na construção de uma
sociedade justa e solidária, é perseguido pelos que operam e ajudam a construir
o Direito.
Com base no que até aqui dissemos, sob a perspectiva do
Direito, já se pode concluir: o que nos impede de sermos maus, além de normas
éticas e morais nem sempre positivadas? A resposta só pode ser uma: Nada! Contanto
que, ao exteriorizar o que pensamos não realizemos conduta lesiva a relevantes bens
juridicamente protegidos que estejam na esfera de disposição alheia, com a necessária
e anterior prescrição legal, absolutamente nada pode nos acontecer do ponto de
vista penal.
É do italiano Luigi Ferrajoli, um dos mais exaltados
penalistas da atualidade, a construção de sóbria e realista tese sobre uma
espécie de "direito de ser mau", que nos permite concluir que nenhum Estado pode
obrigar ninguém a ser bom.
Faz parte de um sistema democrático garantista o sujeito ser
aquilo que lhe interessa ser, bom ou mau, com as ressalvas já assinaladas. Nossa
Lei de Execuções Penais, por exemplo, é antidemocrática por sua finalidade ressocializadora.
No garantismo de Ferrajoli, a pena deve ser meramente retributiva, sem
ilusórias intenções, sobretudo no falido sistema carcerário brasileiro, de
fazer o apenado melhorar, tornar-se bom aos olhos da sociedade.
Há um direito fundamental, por via de consequência
constitucional, do cidadão que vive em uma democracia de escolher o politicamente
incorreto, o moralmente reprovável, o eticamente desaconselhável, o chamado lado
negro da força, sem que isso implique necessariamente em atuação do Direito
Penal.
Desse modo, nosso desafio é conviver com essas diferenças,
essas concepções de vida destoantes do pensamento da maioria simples. O
desrespeito ao exercício legítimo da liberdade alheia é próprio de regimes
totalitários, absolutista, extremistas, que não suportam esse ônus, típico das
democracias.
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